12.15.2010

Ghost in Translation - 6

Antes de me enfronhar nos problemas espinhosos e tantas vezes insolúveis da tradução como arte & ofício de interpretação de sonhos mal paga, informo que o meu calendário inclui a expectativa de recebimento de livros como prendas de Ano Novo e Natal (a propósito, o leitor acredita no Ano Novo?), recebimento de livros esse (se disser que é uma epanástrofe já passa) que incluirá certamente o recebimento da melhor literatura da actualidade, ou seja, a pasticheira, sem ofensa, e, dela, o melhor de Gonçalo M. Tavares, o pasticheiro taxonómico, e o Dublinesca de Enrique Vila-Matas, que tem em comum com Gonçalo M. Tavares também ganhar prémios em França, e que me pôs logo em pulgas quando me chegou aos ouvidos que naquele livro le narrateur entreprend aussi un périple à travers l’oeuvre de James Joyce (este irlandês é, note-se, um dos mais pastichados sem ter culpa nenhuma). Concluo, na minha brilhante interpretação, que na literatura moderna já não há criadores (normalmente uns aldrabões), mas apenas pasticheiros mais geniais do que os criadores das criações originais, para não falar já dos pasticheiros de pastiches, o que me inspirou justamente o título de uma das minhas obras recentes: “De pastiche em pastiche até ao Livro, no fundo, Único”, uma análise a todos os títulos breve. Tenho em comum com Manuel Alegre não defender “muito a metapoesia, a linguagem como referência da própria linguagem, a literatura da literatura, o texto do texto, sem autor, sem história, sem vida”. Mas não é por isso que voto nele. É porque me convém a interpretação dele, uma vez que não tenho capacidade académica para ler as referências cada vez mais abundantes e sofisticadas (bem escondidinhas do leitor ignorante) a livros, a nomes (estrangeiros), a lugares, a situações literários já inventados algures por alguém que, claramente, estava a pensar nos pasticheiros que mais tarde lhe iriam proporcionar a glória (não podemos ler tudo não é? A não ser o crítico académico que nunca dá parte de fraco). Então, este modelo moderno do pastiche savant não me convém por razões pessoais óbvias: por falta de savoir académico da minha parte e por gostar de ler livros. Ponho-me a ler aquilo e não percebo quatro quintos. E também, vá lá o leitor ler coisas destas (ou mesmo um T. S. Eliot que toda a gente conhece de nome) num T2 de Pinhal de Frades incrivelmente húmido e, ao mesmo tempo, catastrófico de vida em variados aspectos. O pastiche-sibila sofisticado que se usa agora atira-me à cara a minha grosseira ignorância das coisas da literatura (e da vida, pretendem eles), angustia-me, desespera-me e, de tanta angústia e desespero, quando me ponho a ler isto não tenho outro remédio senão adormecer. (CONTINUA)

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