2.11.2012

A semana política (não dispensa a leitura de 5 dias)


Afinal não houve acordo, mas pacto (na nova e na velha ortografia). Mas se começam a espalhar por aí que o pacto é de esquerda e a luta é de direita (com Vasco Graça Moura à frente), também posso dizer que o Benfica é de esquerda, o Porto de direita, o Sporting de extrema-direita e que o Belenenses é gay. De qualquer modo, não fales à toa, para para (nova ortografia) pensar.

Quanto à poesia (outro tema candente do dia, até em Bruxelas, porque a poesia acha que pode fechar-se em copas enquanto os outros espumam de revolta) e a despropósito, ele há tanta poesia nos entrefolhos da edição que tens de pensar em meter alguma na máquina de triturar papel. Começa por Pablo Neruda e Ary dos Santos, que aliás não são poetas mas simples comunistas, que se estivesse aqui o Pedro Mexia não me deixava mentir.

Outra candência que grassa, até em Bruxelas, é o desemprego, el paro, le chômage e, nas línguas anglo-saxónicas não me lembra assim de repente. Desemprego, 1. É um problema, mas foi pior na Revolução industrial e no crash de 1929; 2. Só não é problema se estiveres bem empregado ou, alternativamente, gozares de um excelente desporto nacional. (O caso de Espanha, atacada pelo franceses no que a Espanha tem de mais excelente, o desporto, e que leva los tios espanhóis a esquecer tudo até os 25% de desemprego, por causa de el Contador, o dopado ciclista que apanhou dois anos e cujo crime foi abusivamente alargado a todo o excelente desporto nacional espanhol, pelos franceses, mais uma prova de xenofobia e inveja. E quem são os franceses? Não são Sarkozy nem De Gaulle, nem Joana d’Arc nem os Luíses, nem os cozinheiros famosos nem os mineteiros, nem as modistas nem Zidane, nem os beurs nem os juifs, nem os padeiros nem ninguém, nem le peuple, enfin – são os guignols que gozaram com Nadal, Contador e Casillas. Não nego a importância do desporto, veja-se Búsquets, o discreto centro-campista criativo melhor talvez do mundo e cujo levou Alguém a sarapitolar um abstract de tese de doutoramento em centro-campismo pela pena de um grande especialista, mas concedam umas notinhas de roda-pé ao desemprego. O parêntese já vai longo, fecha.)



Sobre o barulho da escrita, considerado fundamental para a sobrevivência também em Bruxelas, deixo-vos dois indevíduos num restaurante da mítica Persburgo, no início do século passado, mas podia ser hoje porque os homens passam e as línguas ficam. É do livro Petersburgo de Andrei Béli, Relógio d’Água, vão lá comprar que isto é marketing:

— «O barulho devia soar como “i”, mas o que se ouve é “ã”…

Lippântchenko, sonolento, mergulhou num pensamento qualquer.

— «No som “ã” há qualquer coisa de rançoso, de viscoso… Ou estarei enganado?...»

— «Não, não: de maneira nenhuma» — murmurou Lippântchenko sem o ouvir e, por um instante, distraiu-se dos seus pensamentos.

— «Todas as palavras com “ã” são monstruosamente corriqueiras; outra coisa é o som “i”; “i-i-i”— límpido firmamento, ideia nítida, cristal; o som “i-i-i” lembra-me bico aquilino curvilíneo; ora as palavras com “ã” são tão rasteiras; olhe por exemplo: o “achigã”: a-che-gã-ã-ã, qualquer coisa de sangue frio… E também “maaanso”: então não é uma coisa repugnante? “peanha” — uma coisa amorfa; “ranço”, “carranha”.

O meu desconhecido interrompeu o discurso: Lippântchenko estava diante de si como uma pedra de peanha amorfa; o fumo do seu cigarro rançava a atmosfera: e Lippântchenko estava dentro da nuvem; o meu desconhecido olhou para ele e pensou: «Que nojo — que coisinha asiática»… Estava sentado à sua frente um autêntico «ã»…

…………………….

Na mesinha contígua alguém exclamava por entre soluços:
«— Uma nhanha é que tu és, nhanha!...»

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