Afinal não houve acordo, mas pacto (na nova e na velha
ortografia). Mas se começam a espalhar por aí que o pacto é de esquerda e a
luta é de direita (com Vasco Graça Moura à frente), também posso dizer que o
Benfica é de esquerda, o Porto de direita, o Sporting de extrema-direita e que o
Belenenses é gay. De qualquer modo, não fales à toa, para para (nova
ortografia) pensar.
Quanto à poesia (outro tema candente do dia, até em Bruxelas,
porque a poesia acha que pode fechar-se em copas enquanto os outros espumam de
revolta) e a despropósito, ele há tanta poesia nos entrefolhos da edição que tens
de pensar em meter alguma na máquina de triturar papel. Começa por Pablo Neruda
e Ary dos Santos, que aliás não são poetas mas simples comunistas, que se
estivesse aqui o Pedro Mexia não me deixava mentir.
Outra candência que grassa, até em Bruxelas, é o desemprego,
el paro, le chômage e, nas línguas anglo-saxónicas não me lembra assim de
repente. Desemprego, 1. É um problema, mas foi pior na Revolução industrial e
no crash de 1929; 2. Só não é problema se estiveres bem empregado ou,
alternativamente, gozares de um excelente desporto nacional. (O caso de
Espanha, atacada pelo franceses no que a Espanha tem de mais excelente, o
desporto, e que leva los tios espanhóis a esquecer tudo até os 25% de
desemprego, por causa de el Contador, o dopado ciclista que apanhou dois anos e
cujo crime foi abusivamente alargado a todo o excelente desporto nacional
espanhol, pelos franceses, mais uma prova de xenofobia e inveja. E quem são os
franceses? Não são Sarkozy nem De Gaulle, nem Joana d’Arc nem os Luíses, nem os
cozinheiros famosos nem os mineteiros, nem as modistas nem Zidane, nem os beurs
nem os juifs, nem os padeiros nem ninguém, nem le peuple, enfin – são os guignols
que gozaram com Nadal, Contador e Casillas. Não nego a importância do desporto,
veja-se Búsquets, o discreto centro-campista criativo melhor talvez do mundo e
cujo levou Alguém a sarapitolar um abstract de tese de doutoramento em
centro-campismo pela pena de um grande especialista, mas concedam umas notinhas
de roda-pé ao desemprego. O parêntese já vai longo, fecha.)
Sobre o barulho da escrita, considerado fundamental para a
sobrevivência também em Bruxelas, deixo-vos dois indevíduos num restaurante da
mítica Persburgo, no início do século passado, mas podia ser hoje porque os
homens passam e as línguas ficam. É do livro Petersburgo de Andrei Béli,
Relógio d’Água, vão lá comprar que isto é marketing:
— «O barulho devia soar como “i”, mas o que se ouve
é “ã”…
Lippântchenko, sonolento, mergulhou num pensamento
qualquer.
— «No som “ã” há qualquer coisa de rançoso, de
viscoso… Ou estarei enganado?...»
— «Não, não: de maneira nenhuma» — murmurou
Lippântchenko sem o ouvir e, por um instante, distraiu-se dos seus pensamentos.
— «Todas as palavras com “ã” são monstruosamente
corriqueiras; outra coisa é o som “i”; “i-i-i”— límpido firmamento, ideia
nítida, cristal; o som “i-i-i” lembra-me bico aquilino curvilíneo; ora as
palavras com “ã” são tão rasteiras; olhe por exemplo: o “achigã”: a-che-gã-ã-ã,
qualquer coisa de sangue frio… E também “maaanso”: então não é uma coisa
repugnante? “peanha” — uma coisa amorfa; “ranço”, “carranha”.
O meu desconhecido interrompeu o discurso:
Lippântchenko estava diante de si como uma pedra de peanha amorfa; o fumo do
seu cigarro rançava a atmosfera: e Lippântchenko estava dentro da nuvem; o meu
desconhecido olhou para ele e pensou: «Que nojo — que coisinha asiática»…
Estava sentado à sua frente um autêntico «ã»…
…………………….
Na mesinha contígua alguém exclamava por entre
soluços:
«— Uma
nhanha é que tu és, nhanha!...»
Sem comentários:
Enviar um comentário