4.04.2011

Festival Literário da Madeira (que nome!)

A literatura agora está bem, felizmente. E se vou ser um pouquinho irónico, é por inveja, como diria o galante Francisco José Viegas.

Desde as Correntes d’Póvoa à Madeira Inn, a vecchia signora não se pode queixar. Ah, dona Literatura, a dar uma partouze aos netos!, ouve-se nestes dias por todo o lado, do Funchal ao Funchalinho. Dona Literatura, apesar das tromboses que a acometem há algum tempo, sorri enviesadamente. Enquanto esperávamos pelos convidados italianos, na magnífica manhã madeirense, mamma mia, juncada de magnólias e esterlícias, uns escritores de sexo marginal, mesmo revolucionário, comentavam Umberto Eco «um pote, filha, e tão plebeu!» (arranjemos-lhe uma ortografia mais decente: Humberto Ekko), e a outra em sussurro para toda a gente ouvir «não sejas tão bicha fulgurante, olha os monos clássicos!» O luxo é decente, os hotéis não são maus, a noite é atrevida, agora a literatura está bem, felizmente, é toda em madeira maciça. Não gostaríamos de a ver, velha senhora digna, em quartinhos, em albergues, em residências comunais como na extinta união soviética. Mas não se meta nisto, milady, olhe as tromboses: “Lapas de escabeche, Favas acaralhadas, Gaiado de vinagreta, Atum salprezado, Espada de escabeche, Gata à Câmara de Lobos (gato não havia), Açorda do Poiso, Milho frito, Chicharros idem, Espada com banana em cama de maracujá, Arroz de espigos à Santana, Carne de vinho e alhos, Picadinho, Maçaroca assada, Salga de porco (dita carne da noite), Cabrito à Seixal, gelados, mousses, pitangas, ponchas... Quatro horas à mesa.” Também não gostaríamos de ver a entrar pelo hall adentro o maltrapilho e malcheiroso Rodion Raskálnikov, quando muito um Renato Seabra que de preferência escrevesse alguma coisa. Há várias mesas, a dos escritores que fogem da fama, dos malditos, dos inconstantes, dos meliantes, dos que nem ao espelho se podem ver, dos que só escrevem sobre campos de concentração e não foram convidados, naturalmente, dos que não são convidados e que, por consequência, não têm mesa. Se o vazio é grande? É, mas nem assim enche o olho da decrépita dona Literatura.

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