4.08.2011

O estalinista português tem sempre razão, e o clube dele também

O estalinista português encontra-se sobretudo nos partidos da direita, PS, PSD, CDS, mas também nos da esquerda; nos clubes Benfica, Porto e Sporting, mas também nos outros. Com a excepção de o estalinista português NÃO REJEITAR “voluntariamente os privilégios de dirigente” (não é maluco), e de dirigir sempre alguma coisa, por pequena que seja, é essencialmente semelhante a este Arbatchuk (um dirigente estalinista caído em desgraça e preso no gulag) que Vassíli Grossman caracteriza em Vida e Destino. E quem é Vassíli Grossman? Ide às wikipédias e brilhai. O estalinista português deixa-se dirigir pelo instinto totalitário e o seu traço de carácter principal é a submissão, como em todos os estalinistas. O que o estalinista português tem de exótico é a roupagem padresca e sacrista, as duas caras, e a bandeira de julgamento: o anti-estalinismo. Para ele, estalinistas são os outros.

O que diz Grossman:

Toda a sua vida, Abartchuk era intransigente em relação aos oportunistas, odiava homens de duas caras e os que eram socialmente alheios, os que se punham de fora.

A sua força espiritual, a sua fé residiam no direito de julgar. Desconfiou da sua mulher e largou-a. Não acreditou que educasse o filho como um inabalável lutador e negou ao filho o seu nome. Vilipendiava os hesitantes, desprezava os lamuriantes, os que tinham pouca fé e manifestavam a sua fraqueza. Entregava ao tribunal os técnicos e engenheiros que, em Kuzbass, tinham saudades das famílias que haviam deixado em Moscovo. Conseguiu a condenação de quarenta operários socialmente duvidosos que abandonaram as obras e foram para as aldeias. Renegou o seu pai pequeno-burguês.

É delicioso ser inabalável. Julgando os outros, afirmava a sua força interior, o seu ideal, a sua pureza. Nisso residia a sua felicidade, a sua fé. Nem uma vez se esquivou das mobilizações partidárias. Rejeitou voluntariamente os privilégios de dirigente do partido. Na sua abnegação estava a sua auto-afirmação. Usando imutavelmente a túnica e as botas militares, ia assim para o trabalho, para as reuniões do conselho do comissariado do povo, ia assim ao teatro, passeava assim pela marginal de Ialta, para onde o partido o mandou para tratar a saúde. Queria ser parecido com Stálin.

Perdendo o direito de julgar, perdia-se a si próprio.

4 comentários:

Sun Iou Miou disse...

Tenho esse livro na mesa de cabeceira, em lista de espera. Já me abriu o apetite. Porém, vamos ( o livro... e eu já agora) ter de continuar a esperar.

Anónimo disse...

Quando teremos o Vida e Destino em Português? Entretanto, muito obrigado por tudo o resto que já temos em Português.

Sun Iou Miou disse...

Levo já uns dias a ler o Vida e destino (em tradução para espanhol, que me ofereceu no ano passado alguém que soube que estava a ler o Guerra e paz) e estou a adorar. É brutal. Espero que a tradução para português tenha a visibilidade que merece.

Sun Iou Miou disse...

(Se eu sei que era isto, não tinha estado "em lista de espera" tanto tempo!)

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